domingo, 17 de agosto de 2008

Em nome das cifras

Pode até ser que você nunca tenha ouvido falar nessa sigla, mas certamente já pagou por ela, ou deixou de pagar mesmo sem saber. Toda vez que uma música é executada publicamente, não importa se por gravação ou por som ao vivo, cabe ao Ecad cobrar os direitos autorais sobre o uso da obra.


Previsto pela Lei 5.988/73 e mantido pela Lei 9.610/98 - atual Lei dos Direitos Autorais (LDA) - o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) representa dez associações privadas de músicos e compositores, e é o único órgão autorizado a arrecadar, distribuir e fiscalizar o pagamento de direitos autorais no Brasil.

Em seu último compromisso oficial antes de deixar o cargo, o então ministro da Cultura Gilberto Gil participou da abertura do Fórum Nacional de Direito Autoral, realizado no Rio de Janeiro no final do mês passado. Na ocasião, Gil defendeu a revisão da lei de 1998. O encontro não deixou como resultado nada conclusivo, mas deu novo ânimo ao debate sobre os critérios, a eficiência e a transparência do sistema adotado para gerir os direitos autorais no País. A discussão é antiga e o tema não escapou de reclamações nem mesmo do autor de uma das canções mais executadas da história fonográfica mundial. “Quando eu faço show é porque eu tô precisando de dinheiro. Não dá pra se manter com direitos autorais, não dá”, queixava-se Tom Jobim, que apesar da obra-prima Garota de Ipanema nunca pôde se aposentar.

E se os grandes reclamam, imagine os compositores de menor expressão. A assembléia do Ecad é integrada em tese por compositores, mas na prática também por representantes de gravadoras e editoras de música, com grande poder para influenciar nas decisões - especialmente na tabela de divisão da arrecadação (veja quadro na página 11). O peso do voto é proporcional ao montante recolhido por cada uma das dez associações. Atualmente, lideram as votações as poderosas União Brasileira de Compositores (UBC) e a Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus), que têm como filiados grandes nomes da MPB e detêm cerca de 38% do recolhimento total cada uma, segundo reportagem da revista Carta Capital de junho deste ano.


A caixa-preta

Enfraquecidos diante da gigante instituição, muitos compositores se unem ao coro dos insatisfeitos. As cobranças por uma prestação de contas mais clara, revisão da tabela de preços e dos critérios de arrecadação vêm de todos os lados: dos músicos, dos promotores de eventos, dos empresários do ramo da radiofusão, dos usuários comuns. O grande problema é: reclamar pra quem?

Para a produtora cultural Beatriz Araújo, já está mais do que na hora de o Governo Federal intervir para tornar mais transparente a arrecadação e o repasse dos direitos autorais. “É preciso barrar essa atuação voraz.”

O Brasil é um dos raros países do mundo que concede monopólio legal para a gestão coletiva das obras musicais sem prever qualquer tipo de supervisão do Poder Público.



A centralização é justificada como tentativa de evitar cobranças duplas, mas não impede, por exemplo, que autores não-filiados às sociedades protegidas pelo órgão cobrem, por si só, seus direitos autorais. Como a lei faculta ao autor esse direito, usuários quites com o Ecad correm, sim, o risco de ser surpreendidos por cobranças diretas dos compositores. Na interpretação do advogado Vilson Farias, o autor poderia, nesse caso, mover ação de cobrança contra quem utilizou a música, e contra o Ecad - por enriquecimento ilícito por efetuar cobrança indevida, sem a legitimidade do verdadeiro “dono” da música. “A institucionalização do Ecad atropela vários princípios legais”, afirma.


As associações se defendem, torcem o nariz para o que chamam de intervencionismo estatal, dizem que é uma tentativa de volta aos tempos da ditadura e lembram que foi o próprio Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), criado durante o regime militar, quem centralizou nos anos 70 todos os poderes sobre os direitos autorais nas mãos do Ecad, e com esses argumentos resistem à fiscalização.

O Ministério Público alega não poder intervir porque o assunto envolve interesses individuais, embora o promotor Paulo Charqueiro admita que a ação do Ecad prejudica o acesso dos cidadãos à cultura.


O caso na justiça

Atualmente, tramitam na Comarca de Pelotas 35 processos judiciais envolvendo o Ecad, a maioria referente à execução de dívidas. Um desses processos resultou na penhora da sede da União Gaúcha João Simões Lopes Neto. Até o fechamento desta edição ainda não havia sido julgado o pedido de impugnação do leilão do terreno que serve de sede ao CTG, marcado para amanhã. Como o imóvel pertence ao patrimônio público e foi cedido exclusivamente para atividades da sociedade nativista, a transação comercial é controversa. “A União Gaúcha não está à venda”, ressalta o vice-patrão Jamir Rodrigues. “Além do mais, pelo contrato de doação, a única coisa que o comprador poderá fazer é ceder o terreno novamente para o CTG. Se não for assim ele deve retornar à posse do Poder Público”, confirma o advogado de defesa Romualdo Cunha.

Um acordo firmado entre o Movimento Tradicionalista Gaúcho e o Ecad garante aos CTGs, desde 2001, o direito a efetuar o pagamento de uma taxa fixa mensal, bem mais barata do que o valor calculado por evento. Mas, como a dívida da União Gaúcha, de aproximadamente R$ 22 mil reais, é referente ao período anterior ao acordo, o CTG nunca pôde aderir ao convênio e segue sendo cobrado pelo valor normal.

Agora, vários músicos nativistas estão mobilizados na organização de um evento, previsto para novembro. Eles pretendem se apresentar de graça e doar o cachê para o pagamento das dívidas da União Gaúcha.


Ruim com ele...

Com 795 mil obras musicais, 412 mil fonogramas e 214 mil autores cadastrados o Ecad tem o mérito de ser um dos maiores bancos de dados de autoria musical da América Latina e - pasmem - reconhecido como um dos mais eficientes do mundo.

Os prós da instituição não passam despercebidos para quem se beneficia do mecanismo: “O Ecad trabalha para os músicos. O grande problema é que muitos compositores deixam de ganhar dinheiro porque não sabem como funciona o sistema”, defende o músico e produtor cultural Cardo Peixoto. “O Ecad funciona sim, e tem dado mostras de melhora. Nos últimos anos vêm depurando seus problemas históricos”, acrescenta Nei Lisboa. A opinião favorável é compartilhada por outros nomes como Kleiton Ramil, Marquinho Brasil e Cristiano Quevedo, que é enfático: “Quem se organiza e vai atrás recebe seus direitos autorais. Só não dá para ficar esperando que o Ecad bata à porta pra pagar alguma coisa”.


Da parte dos produtores culturais não se questiona a necessidade do pagamento como forma de reconhecer o trabalho dos músicos, mas um dos principais motivos da cara feia na hora de pagar os direitos autorais - ou mesmo na hora de se negar a pagar - é a dúvida se, de fato, a arrecadação sobre a obra executada chega a quem deve receber. E nesse ponto há certo consenso entre os usuários do Ecad - pagadores e credores - de que não se tem controle preciso sobre o que é arrecadado e distribuído.

Dados extra-oficiais dão conta que na edição da Fenadoce deste ano teria sido pago um total de R$ 20 mil ao Ecad. A organização da feira não confirmou a cifra, mas independente do valor, o fato é que até agora os compositores que se apresentaram nos palcos do Centro de Eventos ainda não receberam os pagamentos referentes aos direitos autorais. “Não recebi e nem espero receber. Vai ser uma surpresa se pagarem pela Fenadoce porque sei que não foi feita a checagem das músicas que toquei lá”, afirma Marquinho Brasil.

“A gente orienta os nossos clientes a pagarem a taxa de direitos autorais do Ecad, mas não tem como explicar direito o que é e nem se sabe dizer ao certo se o repasse realmente funciona”, explica a relações públicas Karoline Zanotto, que trabalha como promotora de eventos. “A gente paga sobre o valor do aluguel do imóvel e o único documento exigido é o contrato de locação”, diz ela que não tinha conhecimento de que, além de pagar, é preciso preencher uma planilha com as músicas que serão executadas. “Isso nunca foi solicitado”, garante ela, que já passou por apertos de última hora em função da desorganização da agência de arrecadação local. “Já aconteceu de perderem formulários, ou de não serem encontrados em horário comercial e por causa disso a gente ter que correr atrás do Ecad no dia do evento.”

“Ninguém consegue entender direito para onde vai esse dinheiro”, reclama o produtor teatral Igor Simões. “Quer dizer que se eu faço um espetáculo aqui usando tangos do Piazzolla a família dele vai receber lá na Argentina? Quem me garante?”, duvida. Segundo ele, o peso dos direitos autorais muitas vezes coloca em risco a viabilidade do espetáculo.

Do ponto de vista do compositor e produtor musical Kleiton Ramil, acabar com o Ecad seria um erro. “Antes dele o sistema era muito mais caótico”, argumenta. “O caminho é sofisticar o sistema, não voltar à Idade da Pedra”, completa, ao defender a criação de um órgão de controle informatizado.


O Ecad passo-a-passo

Quem paga o Ecad? Indiretamente, qualquer um que ouça música em ambientes públicos, seja por rádio, televisão, execução ao vivo ou gravação. Na prática, quem efetua o pagamento ao Ecad são os produtores de shows, organizadores de eventos, emissoras de rádio e televisão, proprietários de galerias ou estabelecimentos comerciais que utilizem som ambiente, casas noturnas, bares, cinemas e até motéis.
O cálculo da cota a ser paga é feito seguindo basicamente dois critérios: o tamanho do lugar onde será realizado o evento ou sobre o percentual de arrecadação de bilheteria - nos casos em que é cobrado ingresso. Quando o imóvel é alugado, convencionou-se o pagamento de 10% sobre o valor da locação.
Os responsáveis devem enviar ao Ecad com antecedência uma lista com o repertório que serão tocadas. Em alguns casos a apuração das músicas é feita por amostragem.

Músicos e compositores - Os músicos podem resgatar esses valores em intervalos estipulados pela associação a qual são filiados, podendo ser mensais, trimestrais ou semestrais. O repasse para autores estrangeiros é feito através de contratos de reciprocidade com escritórios de arrecadação de direitos autorais em outros países. Não há diferenças nos valores pagos para a execução de músicas nacionais e estrangeiras.

Agência autônoma - Os representantes locais do Ecad são agências autônomas terceirizadas que polarizam as cobranças em cada região, exceto das emissoras de rádio e TV comerciais, que efetuam os pagamentos diretamente com o escritório central. As agências locais calculam o valor a ser pago conforme a bilheteria, abrangência de público ou a dimensão da estrutura do evento (espaço físico). Os pagamentos devem ser feitos exclusivamente com boleto bancário.

Escritório Central - Ao receber o pagamento, o Ecad embolsa 18% dos valores como taxa de manutenção e repassa o restante para as associações às quais são filiados os titulares das músicas executadas, conforme a listagem de repertório (distribuição direta) ou o resultado da análise da amostra (distribuição indireta).

Associações - As associações ficam com 7% do que recebem e repassam o restante aos seus autores filiados, proporcionalmente ao número de vezes que suas músicas foram executadas.

Fundo retido - Os valores pagos que correspondem a músicas não registradas no Ecad, ou pertencentes a autores não filiados a nenhuma das associações assistidas pela entidade, são recolhidos para um fundo retido e podem ser reivindicados pelos autores retroativamente, desde que estes passem a ser associados.


Nos acordes da controvérsia

Ano após ano o Ecad tem batido recordes de arrecadação e distribuição: ano passado teve uma receita de mais de R$ 302 milhões, dos quais mais de R$ 250 milhões foram repassados aos artistas.

As cifras geradas por direitos autorais são superiores ao que o Governo Federal vai investir este ano em ações do Ministério da Cultura. Em 2008 o orçamento da pasta não chega a R$ 200 milhões e só é incrementado graças a fontes alternativas às emendas parlamentares, via programas de financiamento como o Monumenta.

A agência autônoma de Pelotas - que recebe o pagamento de toda a Zona Sul do Estado - tem uma receita média de R$ 110 mil mensais, rendimento que a coloca entre as dez maiores arrecadadoras, das mais de 250 agências locais instaladas em todo o País. Só no município de Pelotas o Ecad arrecada em torno R$ 50 mil por mês.

O que não se sabe é o valor que retorna aos artistas da região. Isso porque o Ecad centraliza as cobranças, mas distribui os recursos por meio das associações. Por isso não faz relatórios que dividem os valores por estado.


Quem não deve...

A exemplo de outros municípios, ano passado a prefeitura de Pelotas conquistou na Justiça o direito de não-pagamento do Ecad, alegando que seus eventos são públicos e não têm bilheteria. A ação foi movida, segundo o secretário de Cultura Mogar Xavier, depois que a prefeitura foi notificada a pagar R$ 14 mil por um único evento que seria realizado no largo do Mercado. “Não tínhamos a menor condição de arcar com esse ônus”, afirma.

A jurisprudência, no entanto, não vale para eventos particulares mesmo que também não tenham fins lucrativos, como formaturas, aniversários e casamentos. Estes ainda correm o risco de uma fiscalização na última hora para acabar com a festa, caso não efetuem o pagamento com antecedência.

Alegando “uso didático” da música, as academias de todo o Brasil também conquistaram a isenção do Ecad graças a uma ação coletiva movida no eixo Rio-São Paulo. Por aqui, poucos foram os proprietários dos centros de ginástica que ficaram sabendo da decisão. Muitos, assim como pagavam sem saber o quê, apenas deixaram de pagar sem saber por quê.


Superávit

O Ecad também não presta contas sobre o que deixa de ser distribuído, mas estima-se que esse montante seja, pelo menos, superior a R$ 350 milhões a julgar pelos valores acumulados entre 2001 e 2007 (veja o gráfico na página 12). A despeito do verniz de transparência que envolve a imagem institucional do Ecad, nem a assessoria de imprensa, nem o gerente regional da unidade no Rio Grande do Sul informaram a real dimensão da “poupança” guardada nos cofres do Escritório.

O acúmulo de capital ocorre, em parte, porque o Ecad cobra direitos autorais inclusive sobre músicas de autores não-associados, e embora afirme que estes são cadastrados e podem receber os valores retroativos, a partir do momento em que se associam, é de se duvidar que isso realmente aconteça devido a um outro problema: a falta de controle sobre a execução das obras musicais.

O procedimento padrão de arrecadação prevê que empresas de radiofusão e promotores de eventos informem com antecedência o repertório que utilizam. Na prática, embora o órgão arrecadador negue, quem paga admite que somente as set lists de espetáculos possuem controle rigoroso, até porque tanto em festas como no rádio não há como seguir à risca um programa antecipado do que vai tocar. O resultado é que, sem uma planilha que especifique as obras sobre as quais o Ecad foi cobrado, grande parte da arrecadação acaba indo parar em uma espécie de “vala comum”. Como a partilha é feita com base no rodízio de amostragem, na hora de dividir o bolo é comum que as maiores fatias acabem ficando na mão dos compositores mais populares, que se repetem durante longos períodos no topo das paradas, enquanto as músicas de compositores de menor status correm o risco de sequer serem captadas porque a probabilidade de estarem tocando no momento em que o fiscal do Ecad estiver com o rádio ligado é muito menor.

O gerente da unidade do Ecad no Rio Grande do Sul, Arion Saes, explica: “Essa é a forma que a gente tem de distribuir os recursos. Agora, se a rádio, os produtores, os músicos não enviam a planilha com as músicas executadas a gente não tem como obrigar”. Mas tem como cobrar.


Ninguém consegue bater a música pop

As top lists reforçam a tese de que o sistema privilegia os grandes e sufoca os pequenos. Basta ver quem aparece por lá para perceber que sons mais alternativos não têm a menor chance ante a soberania da música pop. O paranaense Fabiano, da dupla Cesar Menotti e Fabiano, é o único compositor dos estados do Sul na parada de sucessos da região, dominada por hits internacionais e sertanejos. Ainda assim, ele aparece apenas na quinta colocação com a música Caso por acaso.

Já no ranking dos compositores com maior rendimento em Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, Teixeirinha ainda figura entre os dez mais e é também o único representante dos três estados. O músico de Passo Fundo aparece ao lado de nomes como Roberto e Erasmo Carlos, os ícones do rock pop nacional Lulu Santos e Herbert Vianna (líder da banda Paralamas do Sucesso) e César Augusto - cujo nome é bem menos conhecido que as músicas de sua autoria, consagradas na voz de Fábio Jr. (De bom e de melhor) e das mais badaladas duplas sertanejas como Leandro e Leonardo (Desculpe, mas eu vou chorar). Rick, da dupla Rick e Renner, ficou em primeiro lugar pela quarta vez consecutiva.


As mais executadas - Região Sul

1º - Big girls don´t cry (Fergie)
2° - Umbrella (Rihanna/Jay-Z)
3° - Don´t matter (Akon)
4° - Pra não morrer de amor (Bruno e Marrone)
5° - Caso por acaso (César Menotti e Fabiano)
6° - Fada (Victor e Léo)
7° - Last night (Keyshia Cole/Puff Daddy)


Ranking dos autores com maior rendimento na Região Sul

1° - Rick (da dupla Rick e Renner)
2° - Vítor Chaves (da dupla Victor e Leo)
3° - Roberto Carlos
4° - Erasmo Carlos
5° - Bruno (da dupla Bruno e Marrone)
6° - Teixeirinha
7° - César Augusto
8° - Elias Muniz
9° - Lulu Santos
10° - Herbert Vianna

Fonte: Ecad


A classificação é feita com base na amostragem das músicas captadas pelo Ecad na programação das rádios AM/FM que estão com o pagamento em dia. Detalhe: o levantamento mais recente se refere às músicas executadas entre outubro e dezembro do ano passado. O repasse - que não é imediato e pode ser feito mensalmente, trimestralmente ou semestralmente, dependendo da associação - só foi feito em abril.

Curiosamente, apesar da maioria das músicas mais tocadas serem internacionais, o pagamento do Ecad para autores estrangeiros representa em média menos de 15% do total distribuído pelo órgão.

Na opinião do proprietário da rádio Tupanci, Jorge Malhão, o sistema de classificação não funciona. “Não dá para prever a música que o ouvinte vai pedir”, diz ele, que ainda defende uma revisão dos valores fixados. “O custo do Ecad para uma rádio é abusivo, não está compatível com a realidade de faturamento da maioria das rádios. Além do mais, é injusto que uma rádio AM, que tem a programação essencialmente de palavra, pague direitos autorais como se colocasse no ar músicas 24 horas por dia.”

“Quando eles chegam no show para cobrar, eles não perguntam que músicas eu tô tocando, não querem nem saber”, diz Gabi Lima, cantora e compositora pelotense, em mais uma confirmação de que, na prática, a apuração de músicas não acontece.

Em 2002, um amigo recebeu o diploma ao som de duas músicas dela em pleno Guarany. No valor da colação de grau estava incluído o custo dos direitos autorais, que ela não recebeu porque não é associada. “Não é que eu queira receber esse dinheiro, nem vejo porque cobrar do meu amigo por isso, mas o fato é que o Ecad arrecadou sobre todas as músicas que foram executadas, inclusive as minhas, e mesmo que eu quisesse não teria como receber porque eles certamente não fizeram registro disso”, contesta. Este ano, quando foi a vez dela se formar, a então estudante bateu o pé e disse que não pagaria o Ecad. “Tem que cobrar direito autoral em shows, não em formatura, festa de aniversário...”. Como resposta ao protesto, a turma fez uma “vaquinha” e pagou a parte dela. “As pessoas se acomodam, pagam pra não se incomodar.”

Do lado de lá da arrecadação, as associações denunciam uma elevada inadimplência por parte dos grandes usuários. Calcula-se que 21% das rádios, 25% dos shows, 32% dos estabelecimentos que utilizam sonorização ambiental e 26% dos shoppings do Rio Grande do Sul estejam inadimplentes.


Tem limites

Das portas do Theatro Sete de Abril o Ecad não passa mais. Com o aval do secretário de Cultura, o representante da agência que atua em Pelotas, Cláudio Adão da Silva Domingos, e a filha que trabalha com ele no escritório, foram banidos da casa de espetáculos pela diretora Annie Fernandes, que se indignou com o tratamento que era dado aos artistas e com os abusos que eram cometidos nos atos de cobrança. “Ele faz pressão psicológica, é agressivo, diz que vai cancelar espetáculos, começa escândalos, ameaçava os funcionários. É muita prepotência”, desabafa Annie.

O produtor Caio Lopes confirma que além dos preços fixados na tabela, o cobrador dá margem para a negociação de valores: “Ele vai no show como se tivesse ‘autoridade’ para efetuar as cobranças dessa forma. Um produtor que desconhece os procedimentos acaba aceitando isso. Negociações ‘de porta de show’ acontecem. Já me aconteceu dele propor um valor mais baixo e pedir pra família entrar, ou querer CD de graça e dizer que assim ‘ficava tudo certo’”, relata. Segundo ele, o agente quis uma vez estimar com base em um evento em Pelotas o público que haveria no outro dia em Rio Grande, no mesmo show, para cobrar adiantado. “Eu disse que ele teria que ir lá para conferir. Ele não facilita as coisas para os produtores, por que eu facilitaria o trabalho dele?”.

Procurado pela reportagem, o gerente da agência autônoma que representa o Ecad em Pelotas disse não estar autorizado a falar em nome da Instituição. O gerente da Unidade RS, Arion Saes, limitou-se a ressaltar a competência do representante na região. “Esses levantes são inverídicos. A Objetiva nos presta um serviço terceirizado há 11 anos e é uma das mais eficientes do Brasil.”

Pela lei, o Ecad não tem poder de polícia (para interditar eventos) e esse procedimento vai contra os direitos do consumidor, que proíbem meios vexatórios de cobrança. Em caso de recusa de pagamento, portanto, o Ecad só pode executar o pagamento da dívida por via judicial.


Endereço

A agência regional do Ecad em Pelotas fica na avenida Fernando Osório, 20, sala 4A (Shopping Zona Norte). O telefone é o 3227-4212.

Algumas informações sobre arrecadação e distribuição de direitos autorais também podem ser obtidas no site do Ecad e do Ministério da Cultura no tópico políticas, programas e ações/direitos autorais.


Texto: Bianca Zanella | Imagem: Divulgação | Extraído de: Jornal Diário Popular / Caderno Estilo / Páginas 8, 9, 10 e 11 | Publicado em: Pelotas, Domingo, 17 de agosto de 2008

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