Como a tequila é para o México, a vodka para a Rússia, e o saquê para o Japão, a cachaça é símbolo de brasilidade em estado líquido. Mesmo com um apelido diferente em cada região do país – canha, pinga, branquinha e muitos outros – a exclusiva aguardente de cana-de-açúcar produzida no Brasil tem nome oficial e registro no calendário: 21 de abril – Dia Nacional da Cachaça – é um dia para ser brindado.
A data foi instituída pelo então governador de Minas Gerais Itamar Franco, escolhida em referência ao início da safra de cana-de-açúcar em Minas Gerais, principal estado produtor.
Produto original brasileiro, nos primórdios era relegada apenas ao consumo dos escravos, que usavam a aguardente para amolecer a carne do porco, chamados de “cachaços”. O apelido “pinga” veio porque o líquido pingava do alambique.
No século 17, com o aprimoramento da produção, a cachaça passou a atrair consumidores, ganhou importância econômica e acabou provocando a ira dos portugueses, que contrariados com a desvalorização de sua bebida típica, a Bagaceira - produzida com o bagaço da uva -, proibiram a fabricação e o consumo da bebida criada no Brasil Colônia. Mas, a retaliação teve como reflexo o nacionalismo brasileiro e o boicote ao vinho português.
Mesmo depois de Portugal ter recuado quanto à decisão de proibir a cachaça, anos mais tarde a bebida viraria símbolo da resistência ao domínio dos colonizadores, nas palavras do herói Tiradentes em seu último pedido: “Molhem a minha goela com cachaça da terra.”
Durante o ciclo do café, a bebida dos alambiques esteve em baixa, mas a Semana da Arte Moderna, em 1922, tratou de resgatar seu valor e influência na vida artística nacional com a “cultura de botequim”, a boemia.
Hoje a produção brasileira de cachaça ultrapassa os 1,3 bilhões de litros. Destes, menos de 0,5% são exportados.
Para beber com moderação
Entre inúmeras marcas, algumas com nomes folclóricos como Consola Corno e Amansa Sogra, para leigos pode ficar difícil escolher o que beber. Há muitas opções, e apesar de limitados, os pontos de venda pelotenses oferecem variedade para os apreciadores.
No Mercado Municipal é possível encontrar exemplares regionais como a Da Colonia, de Santo Antônio da Patrulha, a Azulzinha, de Osório e a Acanguaçu, produzida aqui perto, no 4º distrito de Canguçu. Com uma produção de 1,5 mil a 2 mil litros por ano, seu Antunes Dias de Souza, a esposa e duas filhas fazem o produto em processo totalmente artesanal, desde 1986.
Da colônia francesa de Pelotas (7º distrito) é possível encontrar a Graspa, e de Rio Grande vem a tradicional Jurupiga, ambas variações de cachaça feitas à base de bagaço de uva.
Em casas de carnes e bebidas, pode-se escolher entre cerca de 90 tipos de cachaça, a maioria produzida nos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. “Nós já tivemos mais, mas reduzimos o estoque devido ao alto custo de reposição”, explica Paulo Moreira, proprietário de um dos pontos comerciais que oferece maior variedade. As mais caras são a Anízio Santiago – antiga Havana – (em falta até a semana passada) e a Canarinha, do alambique do irmão de Anízio, Noé Santiago, que custam R$ 280 e R$ 85, respectivamente.
Ano passado a maior rede de cachaçarias do mundo – a Água Doce – chegou a anunciar a inauguração de duas novas franquias, em Pelotas e Rio Grande, cidades que segundo pesquisa estariam entre os dez municípios gaúchos com maior potencial para esse mercado, de acordo com o interesse da população pelo produto. A casa ofereceria mais de 240 tipos de cachaça, além de culinária típica.
Prometia pegar, mas o empreendimento acabou não vingando antes de abrir. O franqueador para o Rio Grande do Sul e Mercosul, Rudi Kilpp, diz não ter explicação plausível para o negócio ter retroagido. “Os investidores direcionaram seus negócios para outros focos e ficamos sem parceiros”, lamenta ele, que reverteu os investimentos que faria aqui para a segunda fraquia em Porto Alegre e outra em Gramado.
Na época, o investimento estava orçado em R$ 400 mil para cada uma das franquias. Apesar do insucesso da primeira tentativa, Kilpp já se prepara para uma nova investida no sul do Estado. “Só estamos aguardando uma retomada no mercado de investimentos”, afirma.
Como escolher
Uma boa cachaça geralmente tem aroma suave. Alguns degustadores costumam agitar a garrafa para verificar a quantidade de bolhas que se formam. Quanto maior o número de bolhas, melhor a qualidade da bebida.
A cachaça de qualidade precisa ficar armazenada por, no mínimo, dois anos em uma boa madeira. Se ficar acima de oito anos vira produto nobre e ganha status no mercado.
Estampado em um dos rótulos mais tradicionais, o Velho Barreiro é considerado “o pai da pinga”. A cachaçaria que leva esse nome foi fundada em 1975, numa época em que poucas empresas assumiam a empreitada de tentar dominar o território nacional.
Por norma técnica, a cachaça original deve ter teor alcoólico entre 48% e 56% em volume, e é obtida pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar. Tem características sensoriais peculiares, que permitem distinguir seu sabor em pelo menos quatro paladares básicos: adocicado, ácido, amargo ou salgado.
“Combinarás a boa cachaça com a boa comida”
Como manda o oitavo de dez mandamentos a serem seguidos pelos bebedores de cachaça, segundo o chef e especialista no assunto Sérgio Arno, tudo o que é gorduroso vai bem com cachaça – que tem propriedades digestivas - como aprova o gosto popular. Mas os tira-gostos vão bem com cachaça branca. A envelhecida tem um sabor de madeira que compete com o do alimento, e por isso só deve ser servida após as refeições e, para os que apreciam o hábito de fumar, acompanhada de um bom charuto.
Paulo Moreira recomenda a seus clientes casquinha ou bolinhos de siri, queijo provolone, pepino e cebolinhas, entre outros aperitivos que podem compor uma farta tábua de frios para serem saboreados com a bebida. E ensina: a cachaça deve ser bebida em copo tipo martelinho e aos poucos. “O bom tomador não bebe de uma vez só. Ele vai degustando aos poucos, em pequenos goles, apenas molhando os lábios.”
Segundo especialistas, para degustar uma dose um “cachaçólogo” demora de 15 a 20 minutos. Um coquetel e uma batida requerem de 20 a 30 minutos.
O chef Sady Hömrich sugere aperitivos como pururuca, torresmo e linguicinha, carnes e frutos do mar com molhos picantes, além de indicar a caipirinha como bebida ideal para ser servida antes da feijoada. E é de autoria dele a receita de linguiça flambada na cachaça que reproduzimos nessa matéria.
Linguiça flambada na cachaça
Os ingredientes:
1/2 kg de linguiça da sua preferência (finas, de porco, mista ou calabreza)
50 ml de cachaça de alambique (branca)
1 cravo da índia
O preparo:
Corte a linguiça em pedaços de 10 cm e faça com o garfo alguns furos.
Numa panela ou frigideira, ferva os pedaços de linguiça, em água, juntando o cravo (essa fervura é importante para retirar da linguiça o excesso de gordura).
Depois de fervida retire da panela ou frigideira e seque em papel toalha.
Despreze a água e o cravo da panela ou frigideira.
Disponha os pedaços de linguiça em uma frigideira grande e seca, despejando a cachaça sobre todos os pedaços, acendendo e flambando. Cuidado: o fogo pode subir e queimar sua coifa ou depurador, se você tiver um.
Servir imediatamente acompanhada de farofa e pão francês cortado em rodelas ou aipim frito.
Vai uma dose aí?
A Caipirinha, um dos coquetéis que ocupam o topo no ranking de pedidos em bares por todo o País, já ganhou variações à base de outras frutas além do limão como morango, maracujá e abacaxi. Mas entre as releituras do drink é possível encontrar até misturas mais ousadas como a “Caipicerva”, para quem gosta de tomar uma cerveja bem gelada acompanhada por uma boa cachaça. Na sequência, você confere a receita original, para ser modificada conforme a criatividade e o paladar.
Caipirinha Tradicional
Ingredientes (para uma dose)
1 limão cortado em 4 ou 8 partes
1 colher de sopa de açúcar
2 cubos de gelo
Cachaça (dose mínima de 75 ml)
Modo de preparo:
Coloque em um copo o limão e o açúcar. Amasse bem o limão com um socador de madeira ou similar. Adicione gelo e a cachaça.
Dicas do Sady: usar cachaça jovem, com pouco ou nenhum aroma amadeirado. Descascar os limões “preguiçosamente”, deixando alguns filetes verdes. Há uma versão com menos limão e com manjericão amassado junto. “Fica ótimo!”
Texto: Bianca Zanella | Extraído de: Jornal Diário Popular / Caderno Estilo / P. 12 |Publicado em: Pelotas, Domingo, 16 de maio de 2009
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