quinta-feira, 2 de abril de 2009

O novo cinema brasileiro chega às telas com Vingança

Já diz a cultura popular que “a vingança tarda mas não falha”. Com o perdão do trocadilho clichê, digo que o filme Vingança, do diretor-revelação da temporada passada, Paulo Pons, demorou, mas finalmente chegou a Pelotas, mais de quatro meses depois de seu lançamento. E teria demorado mais, não fosse outra iniciativa do Instituto João Simões Lopes Neto de realizar a exibição na noite da última terça-feira.

O longa foi apresentado também na cidade-natal do cineasta, Pedro Osório. Desconhecido, mas já aclamado, elogiado e duramente criticado, o filme de estreia da produtora Pax Filmes chegou aqui depois de passar pelos principais festivais do Brasil - Gramado, Rio, São Paulo e Brasília - e fazer uma escala em Berlim, no terceiro festival de cinema mais importante do mundo.

Cerca de cem pessoas lotaram o auditório do Instituto João Simões Lopes Neto para assistir ao filme, com a honra da companhia do ator protagonista e com comentários ao vivo do diretor, que pessoalmente acionou a tecla play. Quem não conseguiu lugar ficou em pé, sentou-se no chão, mas não quis perder. Um dia antes, 800 espectadores passaram pelo CTG Fogo de Chão, em Pedro Osório, para outras quatro sessões. Valeu a pena a espera.

O cineasta que já foi chamado de marqueteiro, duramente criticado por subverter o sistema industrial da produção de filmes e incomodar as grandes produtoras com o discurso de baixar o orçamento mostrou que, depois de tantos “nãos”, sim: é possível fazer cinema barato até para competir com os “grandões” do mercado. Com uma produção desproporcional no tamanho da verba, Pons desafia as proporções de qualidade.

Apesar disso, confessa o que não passou despercebido por alguns dos olhares mais técnicos presentes na sessão: em uma cena logo no início do filme a câmera treme exageradamente. “A ideia era mesmo fazer uma câmera instável, mas nem tanto. Só que naquele dia, que foi o primeiro de filmagens, nosso suporte de mão falhou. E por ter pouco dinheiro não tínhamos como voltar e fazer de novo. Teve que ficar assim”, explica. Mas essa foi a única falha técnica notada no filme. Fora isso, a câmera instável, que em alguns momentos chega a perturbar o espectador, foi proposital para dar o tom tenso ao longa e vai se estabilizando à medida que o enredo avança sob o som da bela trilha sonora de Dado Villa-Lobos.

“Estamos avançados em tecnologia e o mundo sabe que o Brasil pode revolucionar o mercado a ponto de os produtores negociarem os filmes direto com os donos das salas de exibição. O que proponho é uma democratização do cinema usando criatividade, valorizando o trabalho artístico e usando novas tecnologias. E estou disposto a mostrar como eu fiz, para que outras pessoas façam ainda melhor e assim essa idéia se multiplique, seja aperfeiçoada. É só me perguntar: 'Como?'”, disse ele, que prontamente se convidou para debater o tema com a comunidade acadêmica do curso de Cinema da UFPel.


Críticas e polêmicas

Vingança é muitas coisas. Intenso, erótico, sensual, trágico. Violento? Muito pouco, apesar do tema.

Na tela, Erom Cordeiro reafirma sua posição de protagonista a cada cena. Ver o filme leva o espectador diretamente a concordar com críticas feitas anteriormente sobre a atuação do alagoano, que na tela parece mais gaúcho do que muitos atores nascidos e criados no Rio Grande do Sul já vistos em cena por aí. Até o sotaque soa com naturalidade. Sem muitas falas, o ator sustentou a trama e o personagem sinistro em gestos, olhares, respiração e suor com uma impecável interpretação.

Daí, a comparação é inevitável, como é inevitável também concordar com as críticas negativas com relação à aparição do veterano José de Abreu. Por mais louco que Paulo Pons quisera que fosse aquela figura, ela é estranha lado a lado com a trajetória de Miguel (interpretado por Erom), que de tão autêntica e realista acaba fazendo parecer a do outro ainda mais irreal e caricata.

E os críticos também parecem ter razão quando julgam estranho o sotaque de Emiliano Ruschel, que pareceu forçado aos ouvidos pelotenses, ainda que original, já que o ator é gaúcho criado em Passo Fundo.

Paulo Pons se defende, diz que a escolha de fazer personagens gaúchos surgiu quando o roteiro já estava em meio caminho andado e que teve a intenção de homenagear a sua terra. Sobretudo, diz que um filme deve ser discutido e apreciado e que deve se justificar por si mesmo. “Eu acho chato isso de fazer arte e ter que justificar essa arte com uma tese. Se eu quisesse me explicar faria um documentário, talvez. Mas eu só queria fazer um filme para contar uma boa história”, disse.

Mas, apesar da fala, suas desculpas ou justificativas não foram solicitadas, pelo menos não dessa vez. O público daqui aplaudiu e saiu satisfeito.

Pela forma como o filme foi bem recebido em Pelotas e Pedro Osório, deu para ver que a polêmica gerada em Berlim foi bem menor que a repercussão criada pela mídia, para sorte de Pons, que acabou ganhando mais espaço para divulgar seu filme em grandes jornais. Em uma entrevista, Pons declarou a uma jornalista que “pessoas do interior tendem a lidar com a questão da vingança com as próprias mãos porque não têm o suporte que uma cultura mais desenvolvida pode oferecer”. Mas o mal-entendido, se é que chegou a ocorrer, ficou mais do que esclarecido sem ofender, de fato, os conterrâneos do cineasta.

E os pelotenses também nem se incomodaram e até riram, quando a personagem carioca pergunta ao gaúcho em tom debochado: “Tu és de Pelotas, tchê?” Sobre isso, Pons comentou: “Eu canso de ouvir isso lá no Rio, é um preconceito que existe, não poderia deixar fora do filme.”


Entrevista

Único ator a participar de dois filmes selecionados para o festival de Berlim esse ano - Vingança e a produção austríaca Universal Love (que foram gravados simultaneamente, o que garantiu a expressão natural de exaustão ao personagem Miguel) - Erom Cordeiro também participou do elenco de Espiral, segundo filme de Paulo Pons que ainda não foi lançado.

Atualmente está no ar na novela Revelação (SBT) e está em cartaz com a peça O zoológico de vidro, de Ulysses Cruz com a atriz Cássia Kiss. Já disse, que voltar logo, para se apresentar no Theatro Sete de Abril.

A entrevista abaixo foi concedida antes da exibição do filme em Pelotas, na terça-feira.


Diário Popular - Tu acreditas em vingança?
Erom Cordeiro - Acho que nenhuma forma de violência é válida. Existem maneiras e maneiras de se resolver uma situação, mas se o filme vem conquistando espaço acredito que é porque o público de alguma forma reconhece esse tema como algo verossímel, que pode acontecer. Na questão do filme, o personagem tem essa vingança como um dever imposto. É claro que ele também sente-se transtornado com o crime, mas é muito influenciado. Não sei se ele chegaria às vias de fato por iniciativa pessoal.

DP - O Paulo Pons nasceu no interior do Rio Grande do Sul e essa vivência influenciou muito o roteiro de Vingança. Pra ti, um alagoano nascido em Maceió, como foi encarar um personagem com essa visão?
Erom - Quando o Paulo me chamou para fazer o filme ele tinha a preocupação de não criar uma figura estereotipada, o que é muito comum quando se quer criar um personagem, seja ele gaúcho, nordestino, carioca... Antes de começar a filmar eu vim para Pelotas e Pedro Osório me ambientar e respirar um pouco os ares “dos pampas”. Sentir a cultura gaúcha para não chegar tão cru nas gravações fez toda a diferença. A gente não quer que o filme seja visto como uma coisa pejorativa. Acho muito especial essa coisa daqui que é o orgulho pelas tradições e essa vontade de querer levar adiante essa cultura para as gerações futuras. Mas, enfim, essa história é ambientada aqui, mas poderia se passar em qualquer lugar do mundo.

DP - Como foi trabalhar nessa linha de cinema de baixo custo que o Paulo criou?
Erom - É engraçado porque antes de fazer Vingança eu estava gravando Seco com amor (de Wolf Maia) e esse era um filme que tinha bem mais recursos, bem mais vultuoso. Como Vingança tinha pouco recurso parecia que as pessoas colocavam muito mais garra, mais suor no projeto. A energia desse cara (o Paulo) e a forma passional como ele fala desse projeto de democratização do fazer cinema me contagiaram no momento que eu fui para a Pax.

DP - Tem semelhanças entre o Miguel, personagem do filme Vingança, e o cowboy gay da novela América?
Erom - Nada. A cada personagem novo eu tento partir do zero. Apesar de serem personagens rurais, do interior, no temperamento e na trajetória eles não têm nada a ver.


Texto: Bianca Zanella | Fotos: (em breve) | Extraído de: Jornal Diário Popular / Caderno Zoom / P. 7 | Publicado em: Pelotas, Quinta-feira, 2 de abril de 2009

Nenhum comentário: