quinta-feira, 29 de maio de 2008

Teatro de Guerrilha

Ideologicamente questionador e emocionalmente impactante, Jogo Bruto: Deserto de Solidão estréia nesta sexta-feira no Theatro Sete de Abril. A montagem do Núcleo de Teatro da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) documenta por meio da linguagem cênica as agruras do conflito protagonizado pela guerrilha, pelo governo colombiano e pelas lideranças políticas internacionais.

Com adaptação e direção de Adriano de Moraes, a peça é inspirada nas cartas de Ingrid Betancourt, divulgadas pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) como prova de vida da refém e publicadas no livro "Cartas à mãe - direto do inferno" (Editora Agir, 2008). A senadora e ex-candidata à presidência da Colômbia, em poder das Farc desde 2002, acabou virando peça-chave no jogo de xadrez permanentemente tenso.

Se tocar nesse assunto, para muitos, não é considerado "politicamente correto", ao menos o texto é diplomático: No jogo de poderes, opostos e palavras, cada uma das lideranças, em determinado momento, rouba a cena e assume a voz do espetáculo. Afinal, em que outro cenário, senão o das artes, poderiam contracenar e negociar - de igual para igual - George W. Bush, Nicolas Sarkozy, Hugo Chávez, as Farc e o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe? "A peça é panfletária, mas tem panfletos de todos os lados. Vamos provocar na cena teatral um diálogo entre partes que na cena política não dialogam", diz Adriano, que teve o desafio de incluir em um mesmo roteiro discursos tão distintos.


Enquanto isso, na vida real...

O futuro da ativista colombiana Ingrid Betancourt continua incerto, mas um novo episódio fez crescer a esperança de libertação dela e de outros reféns: A morte do líder guerrilheiro Manuel Marulanda, conhecido como "Tirofijo" (Tiro-certo), anunciada na semana passada, representa para alguns analistas uma mudança estratégica das Farc para uma posição mais amena, e para outros o início de um enfraquecimento gradual da guerrilha.

O certo é que os rumos do caso dependem agora de Alfonso Cano, nomeado novo líder das Farc. A expectativa é que ele assuma uma postura menos resistente em relação às pressões internacionais e do próprio governo colombiano, e acabe cedendo à troca dos reféns por guerrilheiros que são prisioneiros do Estado.


Gritos e Silêncios

Neste conflito com várias frentes de batalha, as estratégias são muitas: Enquanto no campo físico a guerrilha se camufla na selva, na mídia e nos bastidores da alta cúpula política internacional a mesma guerra é camuflada por trás da diplomacia.

Em meio ao fogo cruzado, na queda de braço disputada por muitas mãos, está em jogo o destino de cerca de 750 homens e mulheres, guerrilheiros e reféns, todos prisioneiros da mesma selva. Por isso, mais que um relato pessoal, um discurso político ou uma ardente declaração de amor, as cartas de Ingrid Betancourt são o registro dramático da história latino-americana.

Na visão desconstruída da linguagem cênica, esse retrato verídico e cruel é personificado em duas Ingrids, dois aspectos da mesma personagem com sutis relações, interpretados simultaneamente em cenas quase que distintas. Uma delas é a que afirma que a “morte parece ser uma opção doce” diante do desgaste físico e emocional de mais de cinco anos de cativeiro. A outra é a imagem da resistência, a que não aparece, a que segue percorrendo seu longo caminho de luta. Curiosamente, nenhuma das figuras se refere diretamente Betancourt como mártir. Mesmo no palco, ambas as Ingrids são humanas.

Tão fortes quanto a dupla presença da protagonista, guerrilheiros e as figuras maternas, criam na lacuna entre o primeiro e o segundo plano do palco uma dinâmica entre dois pólos dramáticos, alternando na arquitetura das cenas momentos de absoluto tédio - a espera - e outros extremamente enérgicos. “No início é difícil entrar na personagem, mas chega um momento em que o próprio corpo grita e ela passa a falar por si”, afirma Fátima Zanetti, que divide o papel de Ingrid com Stael Gibbon.


Claro e Escuro

Elaborada em praticamente dois meses de ensaios intensivos, Jogo Bruto: Deserto e Solidão viaja em breve para Brasília, onde será encenada a convite de um assessor do Ministério da Educação, que sugeriu ao Núcleo que fizesse a montagem de um espetáculo com esse texto durante a primeira edição do Festival de Teatro Universitário de Pelotas, realizado em março.

Para retratar a situação-limite da selva, o elenco vale-se das técnicas de expressão, mas também da tecnologia. “Vamos aproveitar a oportunidade proporcionada pelo incentivo do Ministério para uma experimentação estética diferente, com uma tecnologia que, por ser cara, não podemos utilizar com mais freqüência”, diz o diretor.

Trinta feixes de luz de alto grau de precisão, chamados elipsoidais, irão provocar o contraste acentuado entre os locais iluminados e a penumbra do palco, desafiando a capacidade de observação do público. Fora isso, nada mais que uma cadeira e uma escada. De resto, o cenário é pura emoção.


Quem faz parte do elenco:

Stael Gibbon e Fátima Zanetti Portelinha (como Ingrid Betancourt); Alexandro Ayres, Leonardo Dias e Inácio Schardosin (como guerrilheiros); Ana Alice Muller e Neusa Maria Kuhn (como mães), todos alunos do curso de Licenciatura em Teatro da UFPel.


Confira

O quê: Espetáculo-documento Jogo Bruto: Deserto de Solidão

Quando: Sexta-feira, às 21h

Onde: No Theatro Sete de Abril

Ingressos: Antecipados à venda na bilheteria do Theatro e com os integrantes do elenco à R$ 5,00. Artistas, estudantes, professores e idosos têm 50% de desconto.


Texto: Bianca Zanella | Fotos: Divulgação | Extraído de: Jornal Diário Popular / Caderno Zoom / Capa | Publicado em: Pelotas, Quinta-feira, 29 de maio de 2008

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