quarta-feira, 9 de julho de 2008

Aulas de fracasso

Técnica cênica ensina a reagir com graça frente a uma verdade única: ninguém é perfeito.

Fracassar é humano. Fracassar com estilo é uma arte. Dos palcos para a vida, a técnica de clown (palhaço em inglês) ensina pessoas a conviver (bem) com as imperfeições e com os próprios erros, que fazem com que a maioria passe longe dos padrões ideais quase sempre inatingíveis. Enquanto as pessoas "normais" fazem o que qualquer um faria, o palhaço extrapola. Ele é caricato, foge aos clichês e sai pela tangente, passando reto na curva da normalidade. E ao invés de frustração, tem graça.


É o que pretende explicar o ator, diretor e professor de teatro Alexandre Coelho, que de passagem por Pelotas para visitar família e amigos vai aproveitar o tempo livre também para ministrar o workshop Palhaço - A arte do fracasso. "As regras da conduta social orientam os indivíduo a ocultar seus defeitos. O que vamos fazer é justamente o contrário", afirma. "A técnica de clown consiste em aproveitar o que há de cômico em cada um e dilatar essas características ao extremo".

Este não será um workshop específico para atores e tampouco um curso de formação de palhaços. É feito, diz Alexandre, "para quem quer descobrir algo em si, que pode ser qualquer coisa e vai ser diferente para cada um". As dinâmicas corporais servem para desenvolver a habilidade de relacionamentos. "Vamos nos divertir muito, rir muito. É isso que vamos buscar". As aulas - e os risos - começam na segunda e vão até sexta-feira.


Cadê a graça?

"Já vi Fernanda Montenegro em cena no Sete de Abril com morcegos cruzando por cima da cabeça. Ela se manteve impecável, sem demonstrar nenhuma reação àquilo. O palhaço não age dessa forma, ele é mais espontâneo, joga com essas estruturas circunstanciais", diz Alexandre sobre o que chama de maneira "mais humana" de atuar. Só o palhaço, segundo ele, consegue pular o muro que separa palco e platéia, ator e público. "Ele rompe completamente a 'quarta parede'", afirma, citando o conceito elaborado Stanislavski que delimita as fronteiras da cena (as outras paredes são as coxias laterais e o fundo do palco, que limitam o espaço cênico dos bastidores).

A graça de fracassar não está na ausência de elementos dramáticos, mas na superação deles. Para Alexandre, a vulnerabilidade é o ponto-chave: Ser palhaço implica, sobretudo, no risco da exposição. Sua matéria-prima é o ridículo, o patético. "O palhaço busca descobrir a graça no processo de um resultado. Ele procura isso na humanidade dos erros e fracassos que podem levar ao êxito".


Ator jaguarense, palhaço pelotense

Alexandre Coelho é natural de Jaguarão, mas foi aqui em Pelotas que nasceu ator e descobriu-se palhaço. Começou nos bastidores, trabalhando com contra-regra do grupo Vinte para as Onze, que atuava lá por meados da década de 80. Dali para o palco foi um salto: as primeiras lições de interpretação foram tomadas em oficinas ministradas por Flávio Dornelles e Clóvis Veronez.


As primeiras manifestações do seu "eu-palhaço" surgiram com o personagem de Um homem é um homem, peça encenada no início dos anos 90 com direção de Paulo Flores. Depois disso não parou mais. Fez o primeiro curso de clown com Néstor Monastério, foi a São Paulo aprimorar a técnica e de tanto exercitar o cômico confessa que chegou a ter dificuldades de desenvolver o dramático. Era o palhaço que falava mais alto, e acabou roubando a cena de vez. "Chega um ponto que fica difícil separar o palhaço do ator, da vida. Porque palhaço não é um personagem. Ele é parte da pessoa, é a extensão da própria personalidade", afirma.

Há 3 anos e meio na Espanha, atualmente Alexandre ministra cursos nas cidades de Granada e Madrid. No final do mês, ele viaja com a companhia dirigida por ele e que mantém o nome do grupo criado aqui juntamente com os atores Douglas e Dario em 1994 - Estupendos Estúpidos -, hoje com outro elenco. A turnê irá levar ao norte da Espanha e ao sul da França o espetáculo Los engenhosos hidalgos, uma releitura palhaça de Dom Quixote que será apresentada em locais abertos e públicos. "Sempre tive vontade de fazer esse espetáculo porque Dom Quixote é o personagem mais palhaço da literatura universal. Essa idéia for germinada aqui em Pelotas, com Gê Fonseca, mas só foi concretizada lá na Espanha", diz ele, que sonha em encenar a peça nos palcos daqui. "Pegar a estrada com outros 8 palhaços vai ser uma grande aventura!"

Outro projeto de Alexandre é o seu primeiro espetáculo solo, com título provisório de Hummmmmm!. A peça narra a história de um personagem que trabalha como auxiliar em uma cozinha de um restaurante 5 estrelas. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência: o roteiro autobiográfico, temperado com a ficção, é baseado no período em que, recém chegado na Espanha, ele precisou trabalhar na cozinha de uma casa de espetáculos depois de gastar todo o dinheiro que levava na viagem em cursos de atuação, até ser chamado para dar as primeiras aulas de teatro por lá. "Vivi muitas situações extremamente cômicas. O cheff com quem eu trabalhava era um colombiano grandalhão, não entendia nada do que ele dizia", lembra.


Participe!

O quê:
workshop Palhaço - A arte do fracasso
Quando: de segunda (14) a sexta-feira (18) das 19h às 23h
Onde: no Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Pelotas - IAD/UFPel (rua Alberto Rosa, 62).
Investimento: R$ 60,00
Contato: Informações e inscrições com Lúcia Berndt, pelo telefone 9987-1699 ou através do e-mail luciaecb@bol.com.br.

Texto: Bianca Zanella | Fotos: Divulgação | Extraído de: Jornal Diário Popular / Caderno Zoom / Página 4 | Publicado em: Pelotas, Quarta-feira, 9 de julho de 2008

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