quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Arte sem limite de idade

No palco, a comédia é exemplo de vida. No elenco, pessoas convencidas de que rir - e não se entregar ao ócio - é o melhor remédio para viver bem a fase da vida que começa aos primeiros sinais da idade. Nesse teatro não se sabe se são os atores que dão vida aos personagens ou o contrário.

Quem disse que elas já passaram da idade de "fazer arte"? Para os integrantes do Clube da Maturidade Ativa de Ijuí, "ser velho demais" para qualquer coisa é apenas um desafio que inspira ações há mais de dez anos. O grupo faz parte do projeto do Serviço Social do Comércio (Sesc) para a Melhor Idade e na terça-feira (30) encenou no auditório da Universidade Católica de Pelotas a peça Faustino, releitura regionalista gaúcha inspirada no conto Fausto (de Goethe) e nas adaptações populares do nordeste registradas na literatura de cordel.

"Aqui ninguém reclama da vida, ninguém tem depressão. A gente nem tem tempo pra isso", diz Edith Pockios, que aos 70 anos passa o tempo envolvida com os ensaios do teatro e de dois corais, além das reuniões e atividades sociais. "Tem uma peça em que eu interpreto uma velha caduca", diz ela, que como os outros se diverte no palco e nos bastidores, quando também se ocupa com a produção das apresentações e com os preparativos dos cenários e figurinos.

Problemas de memória? Ninguém tem também. São onze peças no repertório e outra quase pronta para estreiar. Elvira Dalmas, a mais velha da trupe, aos 88 anos tem tanta facilidade para decorar as falas quanto a mais nova, de 54. "Ela lembra as falas dela e a das outras", garante uma das companheiras de elenco. "Eu pego o texto num dia e no outro tô me apresentando. Nunca ensaiei com papel na mão. Decoro fácil porque sempre dei trabalho para o meu cérebro", diz em tom de quem dá um conselho.

O radialista aposentado Valdir Vieira, de 60 anos, é o único homem do grupo. Cercado das faladeiras, ele empresta o vozeirão para o personagem de diabo. "O melhor de tudo é a convivência. Cada vez que a gente sai de casa pra viajar com a peça por outras cidades vai com uma bagagem pequenininha e volta com uma bagagem enorme, cheia de histórias pra contar", fala com alegria. "Como é bom poder dizer, com essa idade, 'eu tô aprendendo'. Dá vontade de fazer mais coisas", confirma. "Assim a gente esquece que está envelhecendo. Minha neta acha o máximo que aos 72 anos eu ainda tenho um 'professor'", completa a colega Sylvia Schoefer.


Diversão e arte

Aos 63 anos, Marlene Drewin revive a emoção que sentia nos palcos da infância. De papéis passados, ela lembra de um que interpretou ainda na escola. "Eu era a moça que temperava a salada e dizia 'essas verduras estão queimadas de sol'", recorda a fala. "Meu marido me dá a maior força pra eu continuar porque ele diz que lembra da primeira vez que me assistiu interpretando essa cena", conta, romântica.

Na interpretação, as vovós e o vovô demostram para a platéia que com o tempo até se pode perder agilidade física ou a cor dos cabelos, mas de forma alguma se perde a graça. "O teatro não apenas faz parte da vida deles. O teatro é a vida. A experiência e a vitalidade que eles têm supera qualquer limitação física", elogia o diretor e professor Alberto Rodrigues, de 44 anos. "Acho ótimo que as crianças tenham vindo assistir também, porque senão fica uma coisa restrita à 'velhos', como costumam dizer por aí. Quando eu comecei, também tinha esse preconceito", admite ele, que aprendeu a conviver pacificamente em uma zona que geralmente é de conflito: o encontro de gerações.

A determinação e o talento do grupo são reconhecidos pela platéia. "Achei lindo! Adorei! Elas são muito simpáticas! Sem contar a força de vontade que elas têm, por serem idosas e fazerem tudo isso", impressiona-se Tamires Fonseca, de 14 anos, que assistiu a peça na companhia dos colegas da escola Nossa Senhora Medianeira e no final fez questão de cumprimentar os atores um a um. "Conheço poucos idosos que são assim, mas também conheço muitos jovens bem menos ativos que esses aqui. Até a gente mesmo é assim, fica um tempão na frente do computador...", entrega a amiga Daiane Ferreira, de 15 anos.


Por um papel na sociedade

Mais importante que os papéis que interpretam no palco é a postura que os idosos ativos assumem diante da sociedade. Tereza Moreira da Silva, de 59 anos, é hoje a presidente do Clube da Maturidade em Pelotas e afirma que a principal responsabilidade do grupo é modificar a idéia de que idoso é sinônimo de cidadão incapaz. "É preciso acabar com o preconceito dos jovens e dos próprios idosos, que muitas vezes resistem a assumir a 'melhor idade'", diz ela, que pretende deixar de herança uma nova consciência para as novas gerações. "Não é justo que a gente fique em casa sem fazer nada quando ainda temos tanto vigor, sem contar a experiência. A sociedade perde a nossa força de trabalho e nós perdemos de viver!".

O diferencial do Clube da Maturidade Ativa, segundo o gerente da unidade do Sesc em Pelotas Luis Fernando Parada, é que é o próprio grupo que se auto gerencia. "Nós do Sesc somos apenas facilitadores, são eles que escolhem o que querem fazer", diz ele, que ainda destaca o cuidado com a terceira idade, antes da maturidade chegar. "Também é uma preocupação desse projeto ajudar as pessoas a se prepararem para envelhecer bem."


Participe, em Pelotas

O Clube da Maturidade Ativa do Sesc, formado há cerca de um ano, reúne cerca de 70 pessoas a partir dos 50 anos de idade. O grupo realiza atividades esportivas, culturais e sociais. Os encontros ocorrem sempre às quintas-feiras, a partir das 14h, no Sesc (rua Gonçalves Chaves, 914). Mais informações pelo telefone 3225-6093.


Assista Faustino em Bagé e Rio Grande

Nesta quarta-feira (1º), a peça Faustino será apresentada em Bagé, às 14h30, no Teatro Justino Quintana. Cada litro de leite vale um ingresso. Toda a arrecadação será repassada aos asilos José e Auta Gomes, e Vila Vicentina.
Na sexta-feira (3) o grupo de Ijuí se apresenta no Theatro Municipal, em Rio Grande, às 17h30min. A entrada é franca, mas aceita-se doações espontâneas de alimentos não perecíveis.


Texto: Bianca Zanella | Extraído de: Jornal Diário Popular / Caderno Viva Bem / Páginas Centrais | Publicado em: Pelotas, Quarta-feira, 1º de oububro de 2008

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