A cor é cinza. Cinza-choque. Os traços são inconfundíveis, dão forma à personalidade inquieta de um desenhista "de cara com o mundo". Rafael Sica faz dos quadros uma zona de impacto. Seus desenhos vão além dos limites quadriláteros. Em quadrões e quadrinhos, as densas criações com a assinatura de Sica são versáteis e indiferentes às escalas: se enquadram bem em qualquer situação e nenhum espaço é pequeno demais para caber fragmentos de uma realidade quase sempre desproporcional.
"O que mais me choca é o comportamento das pessoas e como a nossa existência é miserável em todos os sentidos. É uma opinião pessimista, mas é isso aí, a gente tá f... mesmo", diz sem alterar o tom de voz calmo, que contrasta com a acidez das linhas rebeldes e inconformadas.
Seja pela fala, seja pelo traço, as expressões do ilustrador são marcadas pela espontâneidade do realismo escrachado com alguns toques de humor.
Rafael Sica conduz o lápis e a borracha no papel com liberdade. O retrato caricato do mundo real tem lá suas partes borradas, apagadas. Em meio ao caos, à confusão do mundo moderno, a miséria e o vazio se repetem em formas variadas. "Esse vulto branco que aparece em todos os quadros, em cada um de uma forma diferente. Ele é propositalmente um elemento estranho. É algo que eu uso pra deslocar olhar da realidade."
Algumas impressões do cotidiano urbano registradas pelo ilustrador estão na exposição Cinza-Choque, que vai até o final de novembro no Museu do Trabalho em Porto Alegre. Os desenhos vão dos tons de cinza mais escuros ao branco.
Além dos 14 quadros da série, esboços, tiras, e outros trabalhos "de gaveta" fazem parte da mostra que poderá passar por Pelotas após a temporada na capital. A confirmação, segundo Rafael, depende ainda de ajuste de datas e local para a exposição.
Trajetória
De uns tempos pra cá, e não se sabe até quando, as figuras assumiram um caráter mais realista e os quadros, antes saturados, agora sintetizam as percepções em menos elementos. "Isso faz parte da evolução natural e tem tudo a ver com encontrar um caminho no traço", diz ele, que como todo desenhista não sabe qual será o rumo que o próximo risco irá tomar. "Meu desenho está mais definido, essa é uma escolha proposital. Mas de repente tu tens que decidir seguir ou não com aquele esquema."
Rafael Sica nasceu em Pelotas, tem 28 anos e uma carreira ascendente. Seus desenhos já estiveram nas páginas do Diário Popular, ilustraram revistas como Mundo Estranho, Superinteressante, MTV, VIP e Trip... Atualmente podem ser vistos com freqüência no jornal Metrópole, de Salvador, na revista Caros Amigos e no blog Quadrinho Ordinário.
Sica viveu quase três anos em São Paulo antes de se mudar para Porto Alegre, onde mora desde 2006. Segundo ele, o lado positivo de desenhar em um lugar estranho é a possibilidade de enxergar a realidade "de fora". "O que acontece no lugar onde tu nasceu não te choca tanto, porque tu cresce acostumado com aquilo. Aí de repente tu te vê num lugar que não é teu. Por mais que tu te sintas perdido, é mais surpreendente ver as coisas dessa forma."
Confira in loco
O quê: Cinza-Choque, exposição de desenhos de Rafael Sica
Onde: no Museu do Trabalho em Porto Alegre (rua Andradas, 230)
Quando: visitação até o dia 30 de novembro, de terça-feira a domingo, das 13h30min às 18h30min
Confira na Internet * Rafael Sica publica uma tira nova por dia no blog Quadrinho Ordinário
* Para saber mais sobre o Museu do Trabalho acesse o site <http://www.museudotrabalho.org>
Texto: Bianca Zanella | Foto: Divulgação | Imagens: Rafael Sica | Extraído de: Jornal Diário Popular / Caderno Zoom / Capa | Publicado em: Pelotas, Segunda-feira, 27 de oububro de 2008
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