segunda-feira, 21 de julho de 2008

Estacionamento: o cinema parou por ali

Ainda está na memória recente dos pelotenses o dia em que o Cine Capitólio exibiu os filmes Ultimato Bourne e Licença para casar. Foram as duas últimas sessões do tradicional e decadente cinema de calçada que voltou a abrir as portas dias depois, desta vez como estacionamento de luxo com direito a piso parquê. O episódio encerrou, de vez, o que ainda restava dos áureos tempos - nos remotos anos 50 e 60 - em que a cidade chegou a ter mais de trinta casas de exibição de películas em funcionamento.


Se as salas de cinema fecharam, onde foram morar os filmes? Essa é a instigante questão central de Estacionamento, uma análise poética e reflexiva do atual estágio de desenvolvimento da Sétima Arte, a partir dos registros da memória que residem no inconsciente coletivo local. O documentário produzido pela Moviola Filmes é a atração desta semana no projeto Sete Imagens.

"De certa forma, o cinema jamais encontrou seu próprio espaço", defende Alberto Alda, um dos integrantes da cinematográfica, ao relembrar os primórdios dos cineteatros, quando os filmes nada mais eram que cenas teatrais gravadas diante de uma câmera fixa. "A nostalgia que sentimos hoje pelas salas de cinema deve ser como a que sentiram antigamente quando o cinema invadiu o teatro", compara.


Com as questões de segurança, o advento das novas tecnologias e as próprias mudanças dos padrões culturais os cinemas migraram para os shoppings - símbolos máximos do consumismo - e o que era para ser um bem cultural acabou se tortando um mero objeto, cujo consumo parece tão efêmero como comprar pipoca de microondas. Mas, há quem diga que muito melhor que assistir a filmes nas muitas vezes desconfortáveis poltronas enfileiradas é assisti-los em seu próprio home theater. "Não sabemos se a situação agora é melhor ou pior, mas sabemos que a forma de produzir e consumir cinema mudou e queremos refletir sobre isso", afirma Cíntia Langie, diretora do projeto.


Áudio e visual

Para tornar ainda mais intensa essa relação entre passado e futuro, o grupo de cineastas resolveu brincar com o ambiente onde o filme será exibido: assim como a trilha sonora era executada ao vivo para temperar o cinema mudo, os 20 minutos de duração de Estacionamento terão narração ao vivo, interpretada no palco pelo ator Lóri Nelson, que irá dividir a atenção do público entre o áudio e o visual.

O debate marcado para o final da sessão promete ser rico em contrapontos: vai colocar lado a lado o crítico e professor de cinema Joari Reis, o historiador Mário Osório Magalhães, o secretário municipal de cultura Mogar Xavier, o sociólogo Alfredo Gugliano e os sócios-proprietários do último cinema remanescente em Pelotas - o Cineart - Geraldo Sica e João Confort, que administravam também o Capitólio, ambos cinemas da Rede Arco-Íris. Assim, dizem os organizadores, será possível analisar o cinema sob vários aspectos: como parte da história e identidade cultural, como lazer e também como um negócio. Quem irá mediar a discussão será o professor do curso de Cinema e Animação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Guilherme da Rosa.


Veja antes

Semana passada a Moviola lançou na internet o último vídeo da trilogia de teasers sobre o documentário que circula pelo YouTube. Os vídeos - de cerca de 2 minutos cada - são, literalmente, uma provocação temática para o público começar desde já a refletir a questão cinematográfica e cultural, diante da ameaça fictícia (ou real) e do boato ameaçador de mais um espaço tradicional da cultura virar estacionamento. Para assistir confira os links no blog da Moviola.

A produção tem apoio de Nektar Desing, Camaleão Fantasias e Brecho Abracadabra.


Em cartaz
O quê: Estacionamento, próxima sessão do projeto Sete Imagens
Onde: no Theatro Sete de Abril
Quando: quinta-feira, 24, às 18h30
Entrada franca


Texto: Bianca Zanella | Imagem: Divulgação | Extraído de: Jornal Diário Popular / Caderno Zoom / Capa | Publicado em: Pelotas, Segunda-feira, 21 de julho de 2008

Um comentário:

Sem Papel e Tinta disse...

Segundo Deleuze, só faz falta aquilo que existiu.