sexta-feira, 19 de setembro de 2008

50 Anos de Boemia

A fachada estreita com janelas enfeitadas de cortinas vermelhas com bandôs de rendas brancas e os dois lances de escada são símbolos da Pelotas noturna e dos finais de tarde de domingo. Se os degraus do Sobrado falassem, certamente teriam muito o que contar. Mas como não falam, são os seus quase sócios mais assíduos os porta-vozes da história, que completa hoje 50 anos.

O Sobrado abriu as portas pela primeira vez em 19 de setembro de 1958 como restaurante e já naquela época se tornou um dos pontos mais freqüentados da sociedade pelotense. Os almoços e jantares dançantes eram transmitidos ao vivo pela TV Tuiuti que funcionava ali perto, na rua 15 de Novembro.

O proprietário era Moacir Noronha, um homem grande, como descrevem os que o conheceram, e que tinha uma forma bastante peculiar de impor a disciplina no ambiente: "Sempre que alguém se 'se passava' o Noronha arrumava a gravata. Aquele era o sinal que todo mundo conhecia para a banda parar de tocar e aí o cidadão já sabia que era para maneirar o comportamento", conta o atual proprietário, Manoel Larroque, imitando o jeito do outro.

Adquirido em 1973 por outro Manoel, o Manoel Gianpaoli, conhecido como Maneca, a casa continuou resistindo ao "liberalismo", e preservando os bons costumes. "No meu tempo eu usava um cartão. Cartão amarelo era advertência e cartão vermelho era expulsão", acha graça o Maneca, que ainda hoje mantém sua mesa cativa no Sobrado.

Se alguém exagerasse nos carinhos com a namorada ou tentasse beijar a donzela em público corria o risco de ser mandado embora e só podia voltar se o "Seu Maneca" liberasse. "Tinha uns que pegavam um mês, dois meses de suspensão e depois podiam voltar. Mas se a coisa fosse muito feia não podiam voltar mais."

Hoje as liberdades estão maiores, mas os freqüentadores ainda prezam o ambiente familiar. "Quem não se comporta bem é convidado a se retirar", diz Larroque, atual proprietário. Beijar pode. "Mas tem que ser meio disfarçado", adverte.


O chapéu do Tito

"Ah! Se eu te contasse todo mundo que passou por aqui...", diz o Maneca num ar saudoso, começando a enumerar alguns nomes. Agnaldo Rayol, Agnaldo Timóteo, Alcione, Moacyr Franco, Jamelão e até o mais boêmio de todos os boêmios, Nelson Gonçalves, já subiram os degraus do Sobrado. "E teve também aquela vez, quando o Waldick Soriano esteve aqui... Lembra?", pergunta ao Manoel, que fuma um cigarro sentado junto à mesa.

O Maneca conta histórias do Sobrado como se estivesse vendo de novo cada cena. "Naquele dia isso aqui tudo tava lotado... todo mundo ancioso esperando a chegada do Waldick. De repente entrou o Tito, com uma roupa e um chapéu bem parecidos e todo mundo foi pra volta dele. Aí a gente teve que acalmar todo mundo até o verdadeiro chegar." O causo teve ainda outro desfecho:
"Depois o Waldick queria trocar de chapéu com o Tito, mas o Tito não quis. O chapéu dele era um chapéu fino, e o do Waldick era daqueles que ele atirava para o público", se diverte.

Outro momento gravado na memória do Sobrado foi a festa da torcida Xavante. "Em 1985, quando o Brasil foi terceiro colocado no Campeonato Brasileiro, a gente darramava barris de choppe daqui das janelas e o pessoal lá embaixo bebia de graça", lembra o Maneca.


Os donos da casa


Depois de muitos anos de funcionamento como restaurante, em meados da década de 80 o plano econômico do presidente Sarney modificou a rotina do Sobrado. Na verdade, o comportamento do público também estava mudando. "Era um horror. Por causa do congelamento de preços e da Sunab... não tinha como manter o restaurante, aí ficou só como casa noturna", diz Maneca, proprietário na época da mudança.

Em cinqüenta anos, o Sobrado só interrompeu suas atividades entre janeiro e setembro de 2006, quando passou por reformas, durante a administração do atual proprietário, Manoel Larroque. "Mas eu sempre digo que o Sobrado não é meu, eu só administro. O Sobrado é deles", reforça ele, no espontâneo espírito da casa.

Em "eles", incluem-se as amigas e bem-humoradas Ângela, Benícia e Marlaine, que praticamente moram ali, sempre envolvidas com os preparativos do próximo baile. As histórias das três são parecidas: Ângela ficou viúva e voltou a comparecer no local que antes freqüentava com o marido. "Sem isso aqui eu não vivo!", garante ela.

Marlaine se separou, disse que já arrumou um namorado no Sobrado depois disso, mas que agora está "livre e desimpedida". "Estou aberta para o amor. Se bem que o clima daqui é tão bom que a gente nem sente falta se não tiver par para dançar. Eu me divirto igual", fala às gargalhadas.

Benícia foi ao Sobrado pela primeira vez por recomendação médica e nunca mais deixou de ir. "Eu tive depressão depois que fiquei viúva, há uns 15 anos, e o médico dizia que eu tinha que sair, me divertir. Foi aí que eu entrei pra turma".

No baile desta sexta-feira serão anunciadas as novas tituladas, outra tradição. Com a presença da Miss Pelotas Bruna Petter, receberão oficialmente as faixas a Miss Simpatia, Miss Privamera, Rainha do Carnaval e a Rainha do Sobrado.

A animação ficará por conta dos músicos da casa, com um repertório eclético, mas claro, sem esquecer a identidade do ponto, que faz sucesso e é conhecido principalmente por preservar o repertório de tangos e boleros.


Programação comemorativa

O quê: Aniversário do Sobrado
Quando: hoje, a partir das 22h
Onde: no Sobrado (calçadão da Sete, quase esquina com a rua 15 de Novembro)
Quanto: R$ 10,00 para eles e R$ 3,00 para elas


Mais

O Sobrado funciona regularmente às quartas-feiras, a partir das 21h, às sextas e aos sábados a partir das 22h, e aos domingos com matinês começando às 17h.


Texto: Bianca Zanella | Extraído de: Jornal Diário Popular / Caderno Tudo / Capa | Publicado em: Pelotas, Sexta-feira, 19 de setembro de 2008

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