Uma história mal-contada. Raras vezes lembradas nas coleções e historiografias oficiais da arte universal, as mulheres reivindicam seu espaço, no passado e no presente. O assunto foi o mote da palestra de abertura do Simpósio sobre Gênero, Arte e Memória (Sigam), que começou ontem no Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas (ICH/UFPel). O evento que pretende discutir a presença feminina nas artes e na filosofia continua até amanhã (1º de outubro).
"Esses vazios na história da mulher na arte é um tipo de silêncio ruidoso, e também uma forma de representação, uma tomada de posição ao lado de quem já detém a legitimidade", analisa Luciana Loponte, doutora em arte e educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O reconhecimento no meio artístico é para poucos, e geralmente para aqueles que pertencem a um perfil pré-determinado. "Os que são considerados 'gênios da arte', normalmente se enquadram no estereótipo de homens, brancos, europeus. Todos mortos", analisa. "À mulher é reservado o papel de musa, de objeto da representação e quase nunca o de agente criador. As mulheres se expõem. Os homens expõem as mulheres."
À crítica, soma-se a concepção de mito de democracia de gênero. O fato de haver mais mulheres envolvidas com a arte contemporânea por si só não garante, segundo a pesquisadora, que haja maior discussão sobre o tema. "Porque as mulheres estão em toda parte não quer dizer que o discurso tenha deixado de ser 'generizado'. As pessoas não vêem mais sentido em falar de feminismo, como se todas as questões estivessem superadas", diz a professora, que é ainda mais enfática: "Só citar Tarsila (do Amaral) e (Anita) Malfat não basta para reconhecer a participação da mulher na arte brasileira".
Recortes contemporâneos
Pouco privilegiada no aprendizado das artes, ou com acesso limitado aos ambientes próprios, ditos "femininos", as mulheres ficaram relegadas a fazer desenhos e pinturas com temas amenos. Flores, frutas, natureza morta. Entre as que se permitiram "manobras radicais" ou "discretas ousadias", rompendo com barreiras de estilo ou inovando na temática, a pesquisadora mostra que a arte, assim como a política, é uma esfera de poder. A gente olha para a coisa e a coisa também nos olha.
Para Luciana Loponte, que faz coro a recentes linhas de pensamento, é preciso estudar as conseqüências dessa troca. "As mulheres se conhecem apenas por imagens feitas por homens e não por elas mesmas. Não que a visão dos homens seja falsa, mas é preciso deslocar o olhar que estamos acostumados, diversificar o ponto de vista."
Quando se busca e se encontra, nas lógicas sutis - fora da historiografia oficial - a presença feminina no contexto cultural predominantemente masculino, os exemplos mostram que a diferença está na cara, bem diante dos olhos. Um mesmo episódio diplomático - a Independência do Brasil - parece dois fatos distintos nas leituras de Pedro Américo (O Grito do Ipiranga, 1888) e de Georgina de Albuquerque (Sessão do Conselho do Estado, 1922). A diferença é o foco. No segundo, a protagonista, representada em primeiro plano, é a Imperatriz Leopoldina, enquanto no primeiro a figura heróica é representada por Dom Pedro I. "Pela primeira vez a mulher era colocada como a principal na cena. Apesar do estilo acadêmico de pintura ser mantido, Georgina ousa representar um assunto político, e faz isso de forma diferenciada."
Para a pesquisadora, a importância de se duvidar das convenções não é apenas uma questão de corrigir uma injustiça histórica, que se perpetua nos dias atuais. "É preciso entender como os processos de representações e o ato de olhar para a arte se relacionam com as condições com que os homens e mulheres olham, na vida", conclui, ao citar a pensadora Michelle Perrot.
Confira
As palestras ocorrem às 14h e às 19h no auditório da Faurb/UFPel (rua Benjamin Constant, 1359) e as comunicações das 16h às 18h nas salas do Instituto de Ciências Humanas da Faculdade de Educação (ICH/Fae/UFPel), na rua Alberto Rosa, 154. As comunicações são abertas ao público e têm entrada franca para ouvintes (sem certificado). Para assistir às palestras é preciso efetuar a inscrição no evento, que custa R$ 15,00.
Texto: Bianca Zanella | Extraído de: Jornal Diário Popular / Caderno Zoom / Capa | Publicado em: Pelotas, Terça-feira, 30 de setembro de 2008
"Esses vazios na história da mulher na arte é um tipo de silêncio ruidoso, e também uma forma de representação, uma tomada de posição ao lado de quem já detém a legitimidade", analisa Luciana Loponte, doutora em arte e educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O reconhecimento no meio artístico é para poucos, e geralmente para aqueles que pertencem a um perfil pré-determinado. "Os que são considerados 'gênios da arte', normalmente se enquadram no estereótipo de homens, brancos, europeus. Todos mortos", analisa. "À mulher é reservado o papel de musa, de objeto da representação e quase nunca o de agente criador. As mulheres se expõem. Os homens expõem as mulheres."
À crítica, soma-se a concepção de mito de democracia de gênero. O fato de haver mais mulheres envolvidas com a arte contemporânea por si só não garante, segundo a pesquisadora, que haja maior discussão sobre o tema. "Porque as mulheres estão em toda parte não quer dizer que o discurso tenha deixado de ser 'generizado'. As pessoas não vêem mais sentido em falar de feminismo, como se todas as questões estivessem superadas", diz a professora, que é ainda mais enfática: "Só citar Tarsila (do Amaral) e (Anita) Malfat não basta para reconhecer a participação da mulher na arte brasileira".
Recortes contemporâneos
Pouco privilegiada no aprendizado das artes, ou com acesso limitado aos ambientes próprios, ditos "femininos", as mulheres ficaram relegadas a fazer desenhos e pinturas com temas amenos. Flores, frutas, natureza morta. Entre as que se permitiram "manobras radicais" ou "discretas ousadias", rompendo com barreiras de estilo ou inovando na temática, a pesquisadora mostra que a arte, assim como a política, é uma esfera de poder. A gente olha para a coisa e a coisa também nos olha.
Para Luciana Loponte, que faz coro a recentes linhas de pensamento, é preciso estudar as conseqüências dessa troca. "As mulheres se conhecem apenas por imagens feitas por homens e não por elas mesmas. Não que a visão dos homens seja falsa, mas é preciso deslocar o olhar que estamos acostumados, diversificar o ponto de vista."
Quando se busca e se encontra, nas lógicas sutis - fora da historiografia oficial - a presença feminina no contexto cultural predominantemente masculino, os exemplos mostram que a diferença está na cara, bem diante dos olhos. Um mesmo episódio diplomático - a Independência do Brasil - parece dois fatos distintos nas leituras de Pedro Américo (O Grito do Ipiranga, 1888) e de Georgina de Albuquerque (Sessão do Conselho do Estado, 1922). A diferença é o foco. No segundo, a protagonista, representada em primeiro plano, é a Imperatriz Leopoldina, enquanto no primeiro a figura heróica é representada por Dom Pedro I. "Pela primeira vez a mulher era colocada como a principal na cena. Apesar do estilo acadêmico de pintura ser mantido, Georgina ousa representar um assunto político, e faz isso de forma diferenciada."
Para a pesquisadora, a importância de se duvidar das convenções não é apenas uma questão de corrigir uma injustiça histórica, que se perpetua nos dias atuais. "É preciso entender como os processos de representações e o ato de olhar para a arte se relacionam com as condições com que os homens e mulheres olham, na vida", conclui, ao citar a pensadora Michelle Perrot.
Confira
As palestras ocorrem às 14h e às 19h no auditório da Faurb/UFPel (rua Benjamin Constant, 1359) e as comunicações das 16h às 18h nas salas do Instituto de Ciências Humanas da Faculdade de Educação (ICH/Fae/UFPel), na rua Alberto Rosa, 154. As comunicações são abertas ao público e têm entrada franca para ouvintes (sem certificado). Para assistir às palestras é preciso efetuar a inscrição no evento, que custa R$ 15,00.
Texto: Bianca Zanella | Extraído de: Jornal Diário Popular / Caderno Zoom / Capa | Publicado em: Pelotas, Terça-feira, 30 de setembro de 2008
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