sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Um pouco sobre Bebeto Alves

Uma noite de casa cheia. Ali, na "avenida" João Gilberto, no encontro cenográfico entre as ruas Pelotas e Uruguaiana, no entrecruzamento entre o rock progressivo, o reagge e a milonga, eis que estava Bebeto Alves e seu violão.


Era quarta-feira e eu jamais havia imaginado encontros tão improváveis. Musicalmente falando. Pessoalmente falando. Em seu novo CD - Devoragem - o compositor, nascido em Uruguaiana, leva a antropofagia ao pé da letra, à raiz do verso, ao ápice do som. Bebeto Alves cutuca a palavra com vários ritmos, em várias variações, e assim é capaz de provocar a intersecção de tribos distintas: dos adeptos da bicho-grilagem - com suas túnicas e colares de sementes - aos gaudérios - de boinas, botas e bombachas. Com semblates sonhadores, um tanto quanto impacientes, estavam todos lá naquela noite, se apinhando (e nem sei se essa palavra existe, realmente) nos nichos do bar, em torno do pequeno palco, naquela incomum esquina do som.

Composições familiares soaram estranhas. Eu conhecia um lado poeta de Bebeto Alves sem saber que o conhecia e sem saber que ao lado dele havia um outro lado - intérprete -, de voz rouca e sentimento. Ouvi-lo cantar não é o mesmo que vê-lo cantar, de olhos arregalados e com o cacoete de assoprar e sacudir os ombros enquanto toca o violão. Cena linda foi quando ele teve nas mãos um enorme tambor, batucou suave, cantou de leve, olhando ao longe como se tivesse a lua no colo...


Era noite de cantar o novo, mas o público não esquece o passado. A platéia queria ouvir Homem Invisível, pedido que não foi negado, mas ficou pro bis. Para ser mais intimista, faltou intimidade do público para saber se comportar em momentos sonores e raros como aqueles. Pudera ter feito dois shows: e todos ficariam mudos, estarrecidos, manifestando-se apenas quando fosse convenientemente estético (fazendo coro aos refrões, ou repetindo vocalizações). Pena que o público não é tão eclético quanto o próprio compositor, pois quando variava o estilo enquanto uns curtiam a canção, outros eram puro tédio e descontração. Desatentos, batiam papo enquanto perdiam as melhores partes. Volta e meia, as melodias eram arranhadas por pedidos de silêncio. shiiiiiiiii....

Em silêncio, termino, enfim. Não sei as letras das músicas. Eu não sabia que gostava de Bebeto Alves. Mas acho que valem uns versos que descobri aquele dia e que encontrei por aí...

Eu tento compor minha música
Fazer o meu trabalho, estar na pelo dos loucos
Onde a inveja dos outros, hipócrita e cínica
Maneja o freio conforme o cavalo

Mas só quem charla com a alma
Merece o batismo de alguma milonga
Cutucando a palavra
Seguindo a estrada do seu coração

Vivo o que escrevo, sensitivo de mim
O tiro do instrumento o bom da coisa ruim
E creio que vale a pena
Lavar a erva do chimarrão

Gosto de usar a paisagem mapear as imagens num fundo de campo
Gosto da tropa de cria, chamando a poesia pra perto do rancho
Gosto da prosa sem lado pescando dourado no Rio Uruguai
Das crinas do salso, roçando no braço do meu violão

(Ah milonga, milonga, milonga, milonga palavra dos meus peçuelos
Contigo o tempo não tem segredos, por onde eu for)


Texto: Bianca Zanella | Fotos: Ândria Halfen | Extraído de: Jornal Diário Popular / Caderno Zoom / Página 4 | Publicado em: Pelotas, Terça-feira, 16 de setembro de 2008

2 comentários:

Alexandre Mattos disse...

Legal o texto Bianca, gosto muito do jeito que tu escreve, externa sentimento.
E o Bebeto é o cara mesmo, um grande artista, músico e principalmente ser humano.
Beijos e gracias.
ale

Anônimo disse...

Linda reportagem, eu também não sabia que gostava tanto de Bebeto Alves, principalmente por ter visto pela primeira vez cantando, tocando, gesticulando sempre e observando um horizonte, quem sabe por saber que ainda há muitos gritos coletivos a explodir por lá. Parabéns pelo texto, e parabéns pelas fotos da Ândria, boa sintonia entre ambas.