segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O reencontro da Arte do Encontro


Depois de amanhã a cidade abre as cortinas para o segundo Encontro de Teatro de Pelotas. Durante quatro dias, serão realizados dois debates, duas oficinas e sete espetáculos. Os objetivos, a exemplo da primeira edição do evento realizada no ano passado, consistem fomentar a produção e a discussão das artes cênicas no cenário pelotense, do lado dos artistas, e estimular a formação de público, do lado dos espectadores. Desses dois, surge um terceiro: o Encontro pretende reunir assim, do mesmo lado, a comunidade - "artística" ou não -, na tentativa de romper de vez as fronteiras que ainda resistem no espaço entre palco e platéia, e também nos bastidores.

A título de ensaio, a reportagem do Diário Popular promoveu um "pré-encontro" com alguns dos protagonistas das artes cênicas no município atualmente: Adriano de Moraes (coordenador do curso de Teatro da UFPel), Berê Fuhro Souto (bailarina e coreógrafa do Centro Contemporâneo de Pesquisa e Movimento), Chico Meirelles (do grupo Casa de Brinquedos), Flávio Dornelles (do teatro do COP) e Valter Sobreiro Júnior (do Grupo de Teatro Permanente da UCPel). No foyer do Theatro Sete de Abril, eles anteciparam o que vai estar na pauta de debates de quarta a sábado.

Entre o otimismo, o realismo e o pessimismo, o grupo de cinco diretores montou uma cena que foi do drama à comédia. Confira alguns prólogos da conversa:


Primeiro Ato: Políticas Culturais

Como era de se esperar, a primeira fala desse enredo foi sobre política cultural. No afinado côro dos descontentes, os artistas retomaram um dos textos mais repetidos e conhecidos popularmente, e no entanto sempre atual: a área da cultura é sempre relegada a segundo plano e nunca é prioridade de gestão.

Para Chico Meirelles, as poucas iniciativas que existem não são suficientes para se tornarem referências no município. "Faz 20 anos que a gente tá na mesma", diz combinando a fala com o olhar para os lados, procurando nos outros quatro a concordância com seu gesto indignado, de braços abertos, palmas das mãos apontadas para cima, e encontrando de ambos os lados, quatro cabeças balançando afirmativamente.

"Em política cultural a gente não avançou mesmo, mas justamente por isso eu acho que não podemos ficar mais dependendo da classe política. O problema é que a classe artística não é unida o suficiente", complementa Berê. "Os incentivos são poucos, mas mesmo com pouco a gente tem que produzir alguma coisa, ocupar esses espaços. Não dá pra ficar parado se queixando.", dispara a coreógrafa, ao criticar a falta de iniciativas também por parte da classe artística. "Ainda falta no município maturidade profissional", completa.


Segundo Ato: Mercado de Trabalho

Para Valter Sobreiro Júnior, um dos grandes problemas enfrentados é o déficit de elenco para montar espetáculos, motivo pelo qual, segundo ele, o Grupo de Teatro Permanente da UCPel - que de permanente só tem o nome - não irá apresentar uma peça, e sim uma construção teatral simplificada na forma de leitura dramática. "Esse problema que eu enfrento com a rotatividade de atores é o mesmo da Barthira com o Teatro Escola, tanto que o TEP não irá se apresentar no Encontro. Não há consolidação dos grupos de teatro em Pelotas. A gente tem sempre que estar formando atores", desabafa o dramaturgo. "Temos na cidade um centro de formação profissional muito bom, mas a tendência geral é que os profissionais formados aqui vão embora, e isso não acontece só na área das artes. Aliás, não é só um problema local."

Terceiro Ato: Público

"A formação de platéia requer oferta de produção teatral. Nós, diretores, não temos como oferecer isso sem incentivo. Alguém tem que proporcionar isso", diz Chico Meirelles que defende o ponto de vista que a falta de dinheiro para pagar o ingresso é um agravante no processo de esvaziamento dos teatros.

"Mas também só oferecer, e oferecer demais, de graça, não dá. Aí as pessoas não aprendem a dar valor para as artes", polemiza Adriano de Moraes, que concorda com Berê quando afirma que o discurso de que as pessoas "não vão ao teatro porque não têm dinheiro" não cola: "As pessoas não vão porque não querem. Falta a base para aprender a apreciar e valorizar as artes. O ingresso para o teatro sempre é 'caro', mas para o futebol nunca é."

"Eu acho que apesar da precariedade do cenário a gente está vivendo um momento muito bom, de efervescência, tivemos bons espetáculos esse ano. A gente tem é que aumentar a capacidade crítica do público. A gente precisa voltar a vaiar espetáculos", defende. "Eu acho é que antes a gente tem que voltar a ter espetáculos pra poder vaiar", retruca Sobreiro. "Não vem falar do passado, sejamos realistas. Hoje em dia eu acho a produção local sempre insuficiente. A vida útil dos espetáculos não é prolongada como deveria".

A resposta vem rápida: "Mas eu não faço nem pretendo fazer trabalhos descartáveis", diz Berê, com direito a réplica de Valter: "Não se trata disso. Acontece que não há possibilidade de ficar com os espetáculos circulando muito tempo por causa do déficit de atores. Poucos espetáculos, como o Tholl, têm elenco e público consolidado para isso".


Quarto Ato: Políticas Públicas II

No "gran finale" o tema da abertura da conversa voltou à cena. "Eu queria saber se vocês pretendem assistir aos espetáculos dos outros", provocou Berê, interpretando o papel de entrevistadora. Segundo Adriano de Moraes, para proporcionar a participação dos alunos, o curso de teatro da UFPel irá suspender as aulas durante o Encontro. Mas a pergunta, em princípio sem resposta, fez com que Chico Meirelles, Valter Sobreiro e Flávio Dornelles tocassem no assunto da programação. Na opinião deles, o evento não propicia a participação das pessoas em tempo integral em função dos horários. "É complicado. Todos nós trabalhamos e vamos estar envolvidos nas nossas próprias apresentações", justifica Meirelles.

"Eu até gostaria de participar das oficinas, mas acho que elas deveriam acontecer uns dois meses antes do encontro. Durante não dá. Além do mais, não dá tempo de assimilar o trabalho. É como passar a matéria e aplicar a prova. Acho que os organizadores até têm boa vontade nas iniciativas, mas falta experiência. Falta discutir com os artistas como fazer as coisas. A gente tá aqui pra fazer, desde que seja solicitado...", diz Dornelles. "Acontece que quem organiza as coisas não entende nada de teatro. Como é que pode colocar em um edital que os artistas poderiam apresentar toda a obra ou parte da obra? Eu nunca vi coisa mais absurda! É como tirar um braço de uma estátua porque ela não passa na porta! Isso demonstra o desconhecimento de gestão e por isso a comunidade artística deveria ser chamada para discutir", completa Meirelles, retomando seu lugar de fala.

"Mas não dá pra ficar esperando ser chamado. Tem que estar presente aqui, sugerir coisas, buscar alternativas. Não dá para pensar também que todos os caminhos do teatro levam ao Sete de Abril. Tem que se buscar outros espaços. E talvez começar com esse encontro a criar essa discussão", afirma Adriano, mais uma vez com otimismo.

Diálogos em cena

Pela polêmica, pelo fomento à produção ou pela apreciação artística, o público pelotense tem vários motivos para conferir a programação do 2º Encontro de Teatro. Confira na edição de amanhã (11) a programação completa.


Texto: Bianca Zanella | Extraído de: Jornal Diário Popular / Caderno Zoom / Capa | Publicado em: Pelotas, Segunda-feira, 10 de novembro de 2008
*** Alterações

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