quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Vitor Ramil inaugura Diálogos na Casa de Simões

Quase cinco meses, muitas críticas e interpretações depois daquela sexta-feira 13 em que apresentou a enigmática história de Satolep, Vitor Ramil irá estar diante do público neste sábado (8), na primeira edição do projeto Diálogos na Casa de Simões, promovido pelo Instituto João Simões Lopes Neto.

O músico que afirma não gostar de tocar velhos sucessos, também admite, como escritor, não gostar de retomar aquilo que já foi escrito. "Acho muito frustrante o período posterior ao lançamento do trabalho. Tudo o que eu tenho a dizer sobre o meu livro vai estar sempre aquém do próprio livro", sentencia. "O livro é o livro, são as palavras sobre as quais eu também não tenho mais controle e é preciso lê-lo para entender, não interessa o que eu fale sobre ele".

A afirmação é verdadeira, no entanto, ao contrário e apesar do que pensa e diz o autor, o público normalmente se mostra interessado em saber o que ficou de fora das obras. Não é à toa que as "versões comentadas" de filmes e seriados são incluídas nos "extras" dos DVD´s, os bastidores dos programas de TV ganham espaço exclusivo nas grades de programação e os livros (geralmente os bons livros e os best sellers - que não necessariamente são bons) são capazes de provocar repercussões que transcendem a própria obra.

O enigmático Satolep parece ter esse potencial. Na falta de um "final conclusivo" e com muitas interrogações perdidas na confusa retidão das entrelinhas de Satolep, o público provocado pela narrativa poética de Ramil provavelmente queira, sim, saber o que ele tem a dizer. Uma tentativa, talvez, de preencher as lacunas que ficaram em cada esquina virada nas páginas do romance. A história reticente é instigante, e é por isso que o encontro entre Vitor Ramil, seus leitores e os debatedores Pablo Rodrigues (jornalista e editor de Cadernos do Diário Popular) e Isabella Mozzillo (professora da Universidade Federal de Pelotas) promete ser, no mínimo, curioso.

O livro, que começou a ser traduzido em caráter experimental nos idiomas inglês, francês e espanhol, está sendo divulgado na Internet por meio de um vídeo (book trailler) - nas versões português e inglês - no You Tube. São poucos segundos, mas que valem à pena ser assistidos até por quem já leu o romance. "Foi acompanhando as traduções que me dei conta o quanto a minha escrita é ambígua", reconhece.


A crítica

"Satolep é um ponto de chegada e também um começo...", diz Vitor, que levou 10 anos para concluir as 288 páginas de seu livro. "É uma construção intensa que vem desde a minha infância. Eu queria que ele tivesse o peso e a dimensão de uma cidade." Queria e conseguiu. Satolep - a cidade - é bem mais que um cenário fictício da literatura; é personagem da história que se manifesta fisicamente, e onde "a vida vai no fluxo das escaiolas". Vitor Ramil construiu em palavras, pedra e nuvem (matéria e alma) a sua cidade ideal e faz questão de afirmar isso.

Mas a cidade, que nasceu no escritor, já não é mais habitada apenas por ele. Ramil a expôs ao mundo e agora vive as conseqüências e os riscos de tal exposição. "As interpretações são livres e fazem parte do processo de criação, mas nem todas fecham com o que eu penso", diz, sem parecer intransigente, mas também sem esconder a decepção a que todos os escritores (ao menos os humanos) têm direito. "Uma das críticas que recebi, mesmo antes de lançar o livro, foi que a parte do sarau literário, em que o Selbor (protagonista) conversa com Simões (Lopes Neto) estava longa demais. Resolvi não mudar. Achei que meu personagem tinha que ser afetado por aquela figura", afirma com segurança sobre a sua criação e revela: "Eu não sei exatamente por que Simões apareceu no meu livro, e não tinha a intenção que ele tomasse a dimensão que tomou. Na verdade, eu não tinha intenção nenhuma. Só sei que quando eu deixei ele falar eu não conseguia mais parar de escrever. Eu não conseguia fazer ele parar de falar. Achei fantástico o que ele disse", numa demonstração espontânea de quem se surpreende com sua própria criação, ou melhor, com si mesmo.


A estética do frio

"O frio geometriza as coisas." A frase atribuída a Alejo Carpentier, músico cubano que inspirou um dos personagens do livro de Ramil deu origem a outra das "citações geniais" constantes em Satolep: "a milonga geometriza as coisas."

E apesar de ter sugerido, no começo, que Estética do Frio e Satolep não se misturavam, o autor voltou atrás, e lendo um trecho do livro em voz alta, na página 54, admite que a idéia da Estética do Frio está praticamente enunciada em vários pontos do romance, embora não concorde que o próprio livro tenha as características dessa idéia que ele concebeu. "A Estética do Frio ainda é só uma idéia. O dia em que ela se consolidar, que eu tiver alguma música ou alguma obra concreta, aí eu apresento: isso é 'Estética do Frio'. Por enquanto, ainda falta muito para se chegar a isso. Mas ela é a minha busca constante, é essa idéia que mobiliza a minha criação."


O patrimônio

Apaixonado por Pelotas, ou por Satolep, o escritor não perde oportunidade de levantar a bandeira da preservação do patrimônio histórico. Por outros lugares onde anda, ele reúne comentários que levam a uma triste constatação: o valor daqui é mais percebido por quem é "de fora". "Quando os franceses viram meu livro, se surpreederam com Pelotas. E sabe o que eles disseram? Eles disseram 'Bah, mas isso aqui é uma pequena Paris!' Por que aqui as pessoas não percebem o quanto essa cidade é inacreditável?"

"Posso aproveitar para dizer mais uma coisa?" O pedido foi feito ao final da entrevista: "Escreve aí por favor: 'Eu, Vitor Ramil, achei um crime asfaltarem as ruas do entorno do Theatro Guarany e peço, encarecidamente, que não asfaltem a rua Benjamin Constant, ponto.'" Protesto registrado, pedido atendido, com todas as letras.


Para saber o que mais Vitor Ramil tem a dizer, sobre o Satolep, patrimônio e tudo o mais, participe:

O quê: Diálogos na Casa de Simões, com Vitor Ramil. Debatedores: Pablo Rodrigues e Isabella Mozzilo.
Quando: sábado, dia 8 de novembro, às 19h
Onde: no auditório do Instituto João Simões Lopes Neto (rua Dom Pedro II, 810).
Entrada franca.

Leia antes:

Satolep (Editora Cuciac Naify, 2008)

Veja também:

Assita no You Tube ao vídeo Satolep Book Trailer. Disponível nas versões português e inglês.


Fique ligado:

O projeto Diálogos na Casa de Simões deve passar a integrar o calendário permanente de eventos do Instituto João Simões Lopes Neto. No entanto, a periodicidade ainda não foi definida, nem os autores que serão convidados nas próximas edições. Fique atento à agenda da Casa pelo site .


Texto: Bianca Zanella | Extraído de: Jornal Diário Popular / Caderno Zoom / Capa | Publicado em: Pelotas, Quinta-feira, 6 de novembro de 2008

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